terça-feira, 30 de outubro de 2007

Sonhar...

Deixou
Na berma da estrada
Um resto de tudo
Um rasto
De tudo o que era seu
E nada lhe dizia
Adeus

E nem olhou
Por cima do ombro
Por cima da vida
Por baixo dos sonhos
Que há muito as incertezas
Perdeu

Atrás de si só terra
Queimada pelo vício
De esperar muito mais de si
Atrás de si só um sinal
Que os homens lhe mostraram "o mundo para ti termina aqui"

Em frente
Tanto mais é longo
O dia
Quanto mais for cega
A falta de paixão
Que se transforma em frio
E dor

Sonhar
Mesmo sem dormir
Mesmo sem ser noite
Mesmo sem ter dias
Mesmo sem sonhar
É como se outra vida
Vier

O coração só se nega
Quando o sonho se entrega
P´ra se desesperar
Por cada desespero um sonho
Por cada sonho uma vontade
De se ressuscitar

Voltou
Por cima de tudo
Desfraldando vida
Cavalgando o sonho
E na berma da estrada
Nem ele se lembra
De si
Por Cima da Vida - Luís Represas

sábado, 20 de outubro de 2007

Era uma vez...

Princesas (sorridentes) desenhadas por crianças do Patronato de Santo António - Beja 2005

Olhos postos no ecrã, uma caneca de leite com chocolate quente numa mão e um papo-seco com fiambre na outra. Aguardava-se o momento mais esperado do dia. O momento que de certa maneira marcava o início das actividades lúdicas, por outras palavras, a brincadeira, que se estendia até à hora do jantar. Depois dos trabalhos de casa feitos, tabuadas, números romanos ou palavras repetidas o número de vezes que o humor do professor ditasse nesse dia, chegava a hora pela qual todos esperavam. Numa altura em que parecia impossível que houvesse um dia canais de televisão só de desenhos animados, em que o DVD ainda não tinha surgido e os vídeos ainda estavam a aparecer timidamente, aquela hora de desenhos animados era visto como um pequeno tesouro, aproveitado até á ultima moeda de ouro. O programa passava num dos dois únicos canais existentes na altura e tinha o título apropriado de “Brinca Brincando”. Houve uma história em particular que ficou na minha memória, uma história que se prolongou por vários episódios e que intrigava a mim e toda aquela trupe de amigos que se juntava com uma assiduidade exemplar. Como quem conta um conto acrescenta um ponto e tendo em conta que não me lembro de alguns pormenores da história tomo a liberdade de preencher os espaços em branco. Então era assim:

Era uma vez uma princesa que vivia num reino longínquo. Esta princesa tinha uma beleza inigualável, mas tinha algo que intrigava todo o reino: nunca sorria, nada a fazia sorrir.
O rei preocupado com a tristeza da sua filha não sabia mais o que fazer. Era um rei poderoso dono de uma riqueza que fazia inveja aos reis dos reinos vizinhos. Certo dia decidiu mandar mensageiros em todas as direcções. Tinham ordens para que avisassem todos os reinos pelos quais passassem que o rei oferecia metade da sua fortuna a quem fizesse sorrir a sua filha. Além disso, quem conseguisse essa proeza poderia casar com a princesa.
Alguns dias depois começaram a chegar príncipes, duques, marqueses, condes e barões. Vinham de terras que nem o próprio rei conhecia. Cada um usava a sua opulência, o seu poder e os seus dons na tentativa de impressionar a princesa. Traziam-lhes os palhaços mais hilariantes do mundo, grupos de bailado, animais exóticos, mostravam-lhe diamantes raros, faziam esculturas e quadros da princesa, exibiam a sua própria beleza desfilando em magníficos cavalos, exibiam grandiosos espectáculos de pirotecnia…
A princesa mantinha o seu ar sereno sem nunca esboçar nem um pequeno sorriso …
O tempo ia passando, e os candidatos para despertar o sorriso da princesa iam sendo cada vez mais escassos. O povo tecia os mais diversos comentários:

- A princesa é uma menina mimada e embirrante!

- Diz que a moça não é muito boa do sentido, caiu do berço quando era pequena…

- É uma princesa muito estúpida, mal empregada coroa.

Desanimado e exausto o rei, sentou-se no seu jardim. Com o olhar firme no chão, viu aparecer uns pés descalços:

- Consigo fazer sorrir a princesa!

O rei olhou para cima e viu de quem era aquelas palavras que despertavam no seu coração uma pequena centelha de esperança. Era um jovem pobre, de roupas gastas pelo uso, que ganhava a vida cuidando daquele jardim, o jardim dos passeios de final de tarde dos reis. No olhar tinha a força inabalável da certeza com que dizia as suas palavras, e isso foi o suficiente para o rei permitir que o jovem tentasse.
Foi chamada a princesa ao jardim. O jovem nunca tinha visto tamanha beleza numa mulher. Por momentos ficou como que hipnotizado olhava para aqueles cabelos negros como a noite, uns olhos que pareciam mudar de cor cada vez que um raio de sol os encontrava, e uns lábios que…continuavam sem sorrir.
- Estou à espera – disse o rei impaciente.

Então o jardineiro retirou uma pequena caixa de madeira do seu bolso entregando-a à princesa. Lentamente a princesa abriu-a. E de lá de dentro saiu o objecto mais inesperado, um par de óculos. A princesa examinou aquilo, intrigada, e colocou-os. Então algo mágico aconteceu, pela primeira vez na sua vida conseguia ver as cores, as formas tudo com uma nitidez que ela julgava não existir. Reparava nas flores daquele jardim, nos pássaros, nos reflexos da água do lago e naturalmente um sorriso começou a sair dos seus lábios, e outro e outro. E desde esse dia a princesa sorria todos os dias.
Como em todos os contos, a princesa casou com o jardineiro, viveram felizes para sempre (pelo menos até prova em contrário, tenho estado atento à imprensa cor de rosa e parece que assim continuam) e tiveram muitos filhos, todos com nomes tão compridos que tinham de ter uma lista telefónica só para eles.
Como todas as histórias esta história também dever ter uma moral. Como em todas as histórias cada um lhe retirará a sua própria moral. Na minha opinião ela mostra como a beleza está essencialmente nos olhos de quem a vê.

Terminada a história as portas da imaginação ficavam abertas e tinha início a brincadeira…

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Viagem

Cabo Espichel - Junho 2007


"Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar."
Viagem - António Gedeão


quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Coragem

(Do latim cor, coração.)
Kofi Annan. Foi, entre 1 de janeiro de 1997 e 1 de janeiro de 2007, o sétimo secretário-geral da Organização das Nações Unidas, tendo sido laureado com o Prémio Nobel da Paz em 2001.


"Ajam de acordo com os vossos ideais; explorem fronteiras onde pessoas mais velhas, sensatas e cautelosas poderão não o fazer.
O fracasso faz parte do sucesso, se não falharmos de vez em quando, é porque provavelmente não nos estamos a esforçar o suficiente.
A coragem não significa falta de medo, porque só os tolos não têm medo, signica fazer coisas, apesar do nosso medo.
Confrontem esses medos, corram riscos por aquilo em que acreditam, porque só assim saberão do que são capazes..."

Kofi Annan


Guardo este texto há tanto tempo que nem me lembro bem quando, nem mesmo, como foi que chegou às minhas mãos. Porque o guardei? Não sei, talvez seja por, de vez em quando, a nossa coragem necessitar de despertar ao som de palavras como estas...