domingo, 9 de março de 2008

Era uma vez...

Numa noite em que o sono teimava em não aparecer surgiu, pé ante pé, a história da fada Amélia...


Era uma vez uma fada. A fada Amélia. Não era uma fada cheia de brilhantes, de vestido cor-de-rosa e com uma varinha luminosa. Não! Esta fada há anos que se vestia sempre da mesma forma: bata com chinelos no Verão e roupão com pantufas no Inverno. A sua varinha de luz mortiça estava gasta e aborrecida de realizar sempre os mesmos truques que consistiam essencialmente em fazer aparecer lasanhas, pizzas, ou qualquer banquete que servisse para saciar os apetites da já rechonchuda fada. Vivia numa casa situada bem no alto de um enorme pinheiro, era uma casinha pequena, tal como pequena era a fada, (de facto a fada não era maior que a chama de uma vela). Passava os dias sentada no seu sofá a beber coca colas, seven ups e sumóis (momento de publicidade), não precisava de se mexer para nada, tudo o que necessitava fazia aparecer com a sua varinha. Queria cortar as unhas, usava a varinha mágica. Queria mudar o canal de televisão, usava a varinha mágica. Queria um roupão novo ou umas pantufas do Noddy, usava a varinha mágica. Queria uma telenovela nova, usava a varinha mágica. Queria afugentar as moscas, usava a varinha mágica. Queria passar uma sopa, usava a varinha mágica (bem, nem sempre, às vezes usava o passe-vite). Assim era a vida desta pouco activa fada.

De facto ela até não era preguiçosa, mas há muito tempo que andava desmotivada, achava que já nada de novo lhe podia acontecer, conhecia todos os recantos do mundo, conhecia todas as emoções e desejos dos humanos e até dos animais. Mas não era isso a causa da sua desmotivação. O que a deixava frustrada, triste e a levava a empanturrar-se de bebidas gaseificadas com corantes e conservantes era o facto de já ninguém acreditar em fadas, já ninguém pedia às fadas para realizar um sonho ou concretizar um desejo (o mesmo se passava com os génios das lâmpadas mágicas, mas esses já andavam a falar com o sindicato). Só conhecia uma jovem que estava sempre a falar em fadas, a pedir coisas às fadas, a cantar às fadas, a falar com as árvores, a dizer que não tinha nada mas tinha tudo, que era rica em sonhos e pobre em ouro... Mas essa jovem foi só o passo que faltava para a fada começar a introduzir na sua dieta: os torresmos, a chanfana à moda das velhas fadas, o entrecosto frito, as sopas de toucinho…Só assim conseguia aliviar as “cargas de nervos” que apanhava com aquela irritante moça.

Mas a fada sabia que a sua própria existência, era uma prova que, algures no mundo deveria haver alguém que ainda acreditava verdadeiramente em fadas, que ainda haveria sonhos à espera de uma ajuda de fada para ser realizados. Sabia que, no dia em que as pessoas deixassem de acreditar, as fadas iriam desaparecer para sempre. E ela sabia que isso ainda não tinha acontecido, pois conhecia outras fadas, falava com elas ao telefone todos os dias, sabia que havia algumas fadas a trabalhar no aeroporto dos pirilampos usando o seu brilho para indicar o local de aterragem, ainda na semana passada tinha recebido uma reunião de fadas em sua casa para uma demonstração de tupperwares. Tinha de haver alguém que ainda acreditasse, simplesmente, ela estava cansada de procurar. Durante muitos anos procurou até que um dia desistiu tal como todas as suas amigas fadas mais cedo ou mais tarde tinham acabado por o fazer.

Certa noite a fada Amélia, sentia-se entediada, agastada, incomodada, chateada e enfadada. Na televisão estava a dar um episódio do CSI repetido pela milésima vez, noutro canal estava a dar O Toca a Ganhar e programas de televendas em todos os restantes canais. Olhou para a varinha mágica e viu que estava a ficar sem bateria, foi até à sala para a pôr a carregar e ao olhar pela janela teve uma ideia:

-Não é tarde nem é cedo é mesmo agora que eu vou sair um bocadinho. Parecendo que não já lá vão uns aninhos que não saio de casa, além disso exagerei no cozido de grão do jantar e um passeio vai ajudar à digestão.

Então a fada Amélia, foi buscar o brilhante vestido das asas, sacudiu-lhe o pó, vestiu e…hoo rasgou-se. Pois, era de esperar, não há vestido que resista a uma alimentação destas. Mas a fada estava determinada e resolvido o contratempo lá foi ela a voar bem alto (bem, não tão alto assim…e não vou dizer porquê, não é muito prudente falar do peso de um fada, principalmente se não quisermos ficar a coaxar).

Percorreu campos. Observou as estrelas e a companheira lua. Ao longe viu uma pequena vila. Decidiu aproximar-se. A vila dormia, não se via ninguém pela rua, dois gatos procuravam a ceia no lixo do único restaurante da vila e os grilos faziam a sua serenata. Uma luz vinda de uma janela despertou a atenção da fada. A curiosa da fada espreitou, não viu ninguém e entrou. Era um pequeno quarto, iluminado com uma luz suave, uma música de embalar tocava e num cantinho ela viu um berço. Aproximou-se devagarinho e… ficou maravilhada, lá dentro um bebé dormia profundamente. O bebé sonhava e, como todas as fadas, a Amélia conseguia ouvir os sonhos dos humanos. Ao ouvir os sonhos daquele bebé a fada sorriu e uma lágrima de alegria surgiu dos seus olhos. A fada percebeu que a certa altura num tempo distante as fadas tinham mostrado aos homens que eles eram capazes de realizar os seus próprios sonhos, que quando esses sonhos se realizam pelo esforço do próprio homem têm um sabor mais doce e que os homens não só não tinham esquecido as fadas como também tinham gravado nos seus corações a gratidão deste ensinamento recebido. Os sonhos e os desejos fariam sempre parte da natureza humana. A dormir, a criança sorriu e ao de leve a fada Amélia deu-lhe um beijinho luminoso.

Nas suas tertúlias de final de tarde para jogar poker, bisca dos nove e burro em pé as amigas da fada Amélia dizem que ela não parece a mesma:

- Agora alinha em todas as nossas excursões para ir às termas, a festas e piqueniques - constata a fada da Fruta.

-Aiiiii…! A moça está óptima! Está d-i-v-i-n-a-l!!! Olha! Vendeu a varinha mágica, empregou-se na Pirilampes Airlines, asseada, amiga de se arranjar ao espelho durante horas…Digo-te sinceramente, se não soubesse não a reconheceria – diz a fada Castelo Branco

-Pois foi, pois foi! Inscreveu-se na clínica Fadona e já perdeu dez quilos! Está uma autêntica modelo. Agora só come é tofu e beringelas recheadas com tomate. Diz que vai casar daqui a três meses com o grilo Altifalante… - finaliza a fada dos Molotofes.

segunda-feira, 3 de março de 2008

A família deliciosamente disfuncional do filme Uma Família à Beira de Um Ataque de Nervos


"O nosso lar é tudo o que conhecemos e amamos. Quando estamos juntos, estamos em casa. Um lar não é um sítio. Não creio que o conhecido e o amado tenham tecto, ou que estejam ligados por pregos, vigas e cimento. O nosso lar é uma determinada ordem que nos é querida, na qual não há perigo de sermos quem somos."

Richard Bach - Uma Aventura do Espírito

sábado, 1 de março de 2008

Quando as palavras são armas...

Nos meus cadernos de aluno
Na minha carteira, e nas árvores
Na areia e na neve
Escrevo o teu nome

Em todas as páginas lidas
Em todas as páginas brancas
Pedra, sangue, papel e cinza
Escrevo o teu nome

Sobre as imagens douradas
E nas armas dos guerreiros

Ou na coroa dos reis
Escrevo o teu nome

E pelo poder da palavra
Recomeço a minha vida
Nasci para te conhecer
Nasci para te chamar
Liberdade.

Paul Éluard - pequeno excerto do poema "Une Seule Pensée" (Um Único Pensamento). O poema foi distribuído como um panfleto, lançado por aviões aliados nos céus de uma Europa em guerra, quando a terrivél ameaça nazi tentava esmagar a liberdade, em 1943.
Imagem -O beijo da Time Square. O beijo de despedida da Guerra fotografado por Victor Jorgensen na Times Square em 14 de Agosto de 1945, no final da II guerra mundial. Um soldado da marinha norte-americana beija apaixonadamente uma enfermeira. Segundo se conta, eram perfeitos estranhos que haviam acabado de encontrar-se.