Confesso que tinha dúvidas se o passar dos anos não teriam feito desaparecer um pouco estas estórias ou então que as personagens das telenovelas que a minha avó segue com grande assiduidade se tivessem infiltrado nestes contos e, de certa forma, os tivessem modificado. Lembrava-me de algumas frases, de personagens, mas precisava de ouvir de novo as estórias para poder perceber as peças que me faltavam para ligar cada fragmento solto. Reparei então que a essência de cada estória continua lá. As frases e as personagens podem-se ter alterado um pouco mas o entusiasmo com que ela é contada mantêm-se.
“Como é que é aquela estória da mão?” - Esta é a "palavra passe" para a minha avó começar a desenrolar o novelo das estórias. Aqui fica esta versão baseada num desses contos, o conto das mãos.
Era uma vez uma família muito pobre. Esta família era tão pobre que mal conseguia ter dinheiro para comprar as suas refeições diárias. Alimentam-se quase sempre de sopas e podem pensar: "Então a sopa até é um prato com muita vitamina!". Pois é, mas esta sopa só tinha batata e cenoura, aliás, a sopa era sempre feita da mesma batata e da mesma cenoura durante todo o mês. Ou seja, quando chegava ao fim do mês as únicas vitaminas que comiam era a da ferrugem das colheres.
Certa noite a família encontrava-se reunida a jantar um carapau assado no forno. O pai fazia a divisão das doses: cabeça e barbatanas para o pai, lado direito para a filha, lado esquerdo para o filho, barriga e rabo do carapau para a mãe e espinhas para o gato.
- Comam devagar para não se engasgarem! – diz a mãe.
-Mastiga de boca fechada Carlos António! – ordenava o pai
Truz, truz. Batem à porta.
Truz, truz. Batem à porta.
- Quem será marido? A uma hora destas…
- Não sei, espero que não venha para jantar…Deixa que o pai tira as espinhas, Micaela Carina, que estou já estou mesmo a ver que ficas com uma espinha entalada na goela.
Levanta-se a esposa e vai tentar ver quem é por entre os espacinhos das tábuas (material de que era feito aquela singela moradia). Não vê ninguém…
Levanta-se a esposa e vai tentar ver quem é por entre os espacinhos das tábuas (material de que era feito aquela singela moradia). Não vê ninguém…
Truz, truz. Outra vez a porta.
- Marido, vai lá tu ver! Que eu não vejo ninguém!
Levanta-se o marido desta vez. Abre a porta. Encontra do outro lado um velho, de óculos escuros, anéis de ouro em todos os dedos, camisa havaiana, calções de Lycra, uma bengala e uma mochila em forma de urso às costas.
Levanta-se o marido desta vez. Abre a porta. Encontra do outro lado um velho, de óculos escuros, anéis de ouro em todos os dedos, camisa havaiana, calções de Lycra, uma bengala e uma mochila em forma de urso às costas.
- Boa noite! Ouvi dizer que nesta casa têm-se andando com um certo vazio de estômago! Pois trago-lhe boas notícias para vos dar: expiraram-se os tempos de roer ossinhos, acabaram-se as bocas a salivar quando só os olhos comem os Cornetos que estão nos cartazes de gelados, trago aqui a solução para todos os seus problemas. Não , não é um Vaporetto Titano, é muito melhor que isso.
Despejou a mochila na mesa daquela família: várias caixas em madeira de diferentes tamanhos, um chupa-chupa, bolachas para diabéticos e um corta unhas. Guardou tudo de novo, menos as caixas.
- Ora aqui está! – anunciou o senhor dos anéis.
Com cuidado abriu cada uma das caixas. Enquanto a família olhava estupefacta e incrédula.
Com cuidado abriu cada uma das caixas. Enquanto a família olhava estupefacta e incrédula.
-Mas isso são….- balbuciou a mulher.
-Sim ! É mesmo isso que está a ver! Isto são mãos!!! - confirmou de novo o senhor das bijutarias.
E realmente para espanto de todos , aquilo eram mãos. Mãos de diversos tamanhos.
- Tudo o que têm de fazer é escolher uma das mãos, levá-la para o centro da mesa e dizer: Põem-te mesa! – ensinou o ancião.
- Paiiii!! Eu não quero comer mões!!! – avisou a pequena Micaela .
- Fica descansada minha filha que isto não é para comer!! E diz-se mãos e não mões…
- O teu pai tem razão, isto não é para comer, mas escolhe uma e faz como eu te disse e verás o que acontece .- disse o velho apontando para as mãos.
Então a menina, um pouco desconfiada, aproximou-se e escolheu a mão mais pequenina que ali havia. Levou-a para o centro da mesa e disse as palavras do velho:
- Põem-te mesa!!!
De repente aquela mão ganhava vida. E do nada, fazia aparecer deliciosos manjares, alimentos que os olhos , as bocas e os narizes daquela família nunca tinham experimentado nas suas vidas. Em poucos minutos aquela mesa vazia tinha-se enchido de carnes frias e quentes, achigãs, mousse de chocolate, pudins Boca Doce, gelatinas, cerejas, morangos, cabeças de porco, doce da avó, marmelada,…
Os olhos daquela família brilhavam e sem cerimónias sentaram-se à mesa e começaram a comer como se não houvesse amanhã. O velho sorria de satisfação pela alegria daquela família. Arrumou as suas coisas e saiu lentamente sem que ninguém desse pela sua saída. Ninguém notou também que a toda aquela cena assistia, espreitando por uma janela aberta, uma curiosa vizinha. Vizinha essa que se apressou a ir ao encontro do velho assim que ele saiu de casa:
- Senhooor!!! Espere lá que eu também quero uma mão dessas! Ahh!! Que coisa mais rica eu nunca vi uma coisa igual…Olhe mas eu quero ai a maior, que a minha filha vai casar agora no fim-de-semana, e assim já estava o copo de água encaminhado. Parecendo que não é uma ajudinha grande!!- disse a vizinha invejosa.
Não se contentando com a mão pequena levou então a mão maior...
Chegou o dia do casamento. Noivos, convidados, senhor prior, todos sentados à volta de uma mesa vazia.
- Mãezinhaaaa!! O que é isto? Onde está a comida???- disse a noiva, manifestando algum histerismo recalcado.
- Calma minha filha. Espera ai que já vais ver! – disse a mãe confiante.
Então disse as palavras mágicas. Fez-se um silêncio. A mão ganhou vida . De repente, em vez de fazer aparecer alimentos, a mão deu início à maior distribuição de que há história de sopapos, chapadas, galhetas, bofetadas, lambadas, estalos, estaladas, tapa-olhos, enxota-moscas e belinhas. Todos tiveram a mesma dose. Dizem que, ainda hoje o senhor prior não vai aos copos de água dos casamentos que faz, tal não foi o susto do pobre homem.
Então disse as palavras mágicas. Fez-se um silêncio. A mão ganhou vida . De repente, em vez de fazer aparecer alimentos, a mão deu início à maior distribuição de que há história de sopapos, chapadas, galhetas, bofetadas, lambadas, estalos, estaladas, tapa-olhos, enxota-moscas e belinhas. Todos tiveram a mesma dose. Dizem que, ainda hoje o senhor prior não vai aos copos de água dos casamentos que faz, tal não foi o susto do pobre homem.
Olhando para a única comida que os seus olhos viam agora, os dois bifes do lombo que tinha nos olhos para reduzir as equimoses, arrependia-se agora a vizinha de não ter escolhido uma mão mais pequena e aprendia, de uma dura forma, que não se deve ter mais olhos que barriga.
2 comentários:
eheheh... poe-te mao
Mais uma história da nossa genial avó.
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